UMA DATA A RECORDAR
Quinta-feira transcorreu mais um 11 de novembro, que pouca gente recorda hoje, em se tratando do ano de 1955. Juscelino Kubitschek havia sido eleito presidente da República. Em outubro, mas naqueles tempos bicudos do que mais se falava era de um golpe para impedir sua posse, em janeiro do ano seguinte. Alegavam até que não conquistara a maioria absoluta dos votos, ainda que a Constituição não contivesse essa exigência.
O governo do presidente Café Filho era golpista, em maioria, mas para evitar a ascensão de Juscelino ao poder era necessário o apoio das três forças armadas. Marinha e Aeronáutica dispunham-se à aventura, pela posição de seus ministros, mas o Exército se opunha. O ministro da Guerra, general Henrique Lott, sustentava o cumprimento da Constituição, de posse ao eleito. Bastaria afastá-lo para a procissão sair à rua, mas Café Filho hesitava. Se teve ou não um ataque de coração, dividem-se as opiniões até hoje, mas a verdade é que licenciou-se. Como tinha sido vice-presidente, sucedendo Getúlio Vargas, seu substituto imediato era o presidente da Câmara, Carlos Luz, do PSD mineiro, ao qual JK pertencia, mas seu ferrenho adversário. Golpista, portanto. Sua missão era demitir o general Lott, usando como pretexto a crise entre o ministro e um coronel, Jurandir Mamede, que dias antes discursara em favor do golpe. Como pertencesse aos quadros da Escola Superior de Guerra, só poderia ser punido por autorização do presidente da República, que Café Filho vinha negando, antes de afastar-se, e Carlos Luz não admitia. Tudo armado para desmoralizar o ministro da Guerra.
Episódio grotesco aconteceu na véspera, dia 10. Lott pedira audiência a Carlos Luz para receber o coronel de volta ao Exército, e puni-lo, ou demitir-se, conforme publicavam os jornais. Marcada para as quatro horas da tarde, cinco minutos antes o ministro estava na ante-sala do gabinete presidencial, no palácio do Catete. O presidente interino resolveu humilhá-lo, fazendo entrar outros ministros, auxiliares e gente de funções variadas. O papel do rádio foi fundamental, pois as principais emissoras entravam com edições especiais, de dez em dez minutos, anunciando que o general Lott ainda permanecia sem ser recebido. Nos quartéis de todo o país a oficialidade ouvia e indignava-se com aquela humilhação ao seu chefe. Afinal recebido, o ministro ouviu que não receberia o coronel de volta e, na mesma hora, demitiu-se. Seu sucessor já estava escolhido em surdina, o general também golpista, Fiuzza de Castro. Outro erro de Carlos Luz verificou-se quando Lott indagou se deveria, ainda naquela tarde, passar o ministério da Guerra ao colega: “Deixe para amanhã”.
Voltando à residência oficial, no bairro do Maracanã, o enquadrado general fez como todo dia: às sete da noite já tinha jantado, vestira o pijama e preparava-se para dormir, disposto a entregar sua função na manhã seguinte. Morava na casa ao lado o comandante do I Exército, general Odílio Dennis, à época legalista empedernido, que começou a receber generais e coronéis em profusão. Todos irritados com a utilização do Exército num golpe contra as instituições democráticas. Dennis ligava-se a Lott através de um telefone de campanha, que acionou, acordando o superior e pedindo que atravessasse o jardim porque uma crise estava se desenvolvendo. O ministro foi e concordou em que deveriam reagir. Foram todos para o prédio do ministério, defronte à Central do Brasil. Lá, o comandante do I Exército surpreendeu, revelando a existência de ordens secretas para os principais quartéis do país, que botassem a tropa na rua, cercassem os estabelecimentos da Marinha e da Aeronáutica e defendessem a legalidade, quer dizer, a futura posse de Juscelino.
Já na madrugada do dia 11 as capitais e principais cidades do país estavam tomadas por soldados do Exército, tanques, canhões e toda a parafernália militar. Lott assumira a liderança do movimento que logo, em nota oficial, foi chamado de Movimento de Retorno aos Quadros Constitucionais Vigentes, um atentado à semântica, pois se eram vigentes não precisava haver retorno, mas, de toda forma, um ato em defesa da democracia e do respeito às leis.
No palácio do Catete, Carlos Luz começou a ser informado da movimentação e telefonou para o general Lott, no ministério da Guerra. Deu-se a revanche: Lott mandou dizer, pelo telefonista, que estava muito ocupado e não poderia atender.
Os golpistas, com o presidente interino á frente, conseguiram refugiar-se nas instalações da Marinha e embarcaram no cruzador “Tamandaré”, dispostos a fugir para São Paulo, onde imaginavam que o governador fosse golpista. No fim da manhã a belonave forçou a saída na baía da Guanabara, cercada de fortalezas do Exército. Avisado, Lott não teve dúvidas: “Afundem o “Tamandaré!”
Felizmente estávamos no Brasil, onde os golpes e contragolpes costumam acontecer sem sangue. As fortalezas atiraram, mas propositalmente errando o alvo. O ministro mandou prender os comandantes das baterias mas terá ficado satisfeito porque mortes foram evitadas. O navio tentou chegar ao porto de Santos, desistindo ao ser informado de que o Exército dominava o país inteiro e o general Lott já dera “conselhos” ao Congresso para votar o impedimento de Carlos Luz, empossando Nereu Ramos, presidente do Senado, na presidência da República. Os golpistas voltaram ao Rio, desiludidos.
Por tudo isso, ressalte-se que o dia 11 de novembro deve ser sempre lembrado.Helio Fernandes | Carlos Chagas
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